“Em pleno 2024, ainda estamos confundindo informar com comunicar”

A frase da consultora e palestrante, doutoranda em comunicação e mestre em mídias digitais, Isabela Pimentel, é de uma verdade nua e crua na maioria das empresas. Nas consultorias com foco em Comunicação Interna que realizamos na SempreMais Comunicação, constatamos que a busca por uma comunicação efetiva por parte das empresas, não passa pela premissa da escuta, e sim, da produção frenética de conteúdos informativos, que muitas vezes nem cumprem o papel de informar.

Para falar um pouco mais sobre este tema, tivemos o prazer de entrevistar com exclusividade a Isabela que, recentemente, lançou o livro Ouvi Dizer – Comunicação Integrada como antídoto para boatos organizacionais.

SempreMais – Como surgiu a ideia para escrever um livro sobre esse tema?

Normalmente, quando a gente vai estudar boato, sempre falamos dele como rádio-peão, como se só o colaborador do chão de fábrica fosse responsável por ele. Quando eu comecei a estudar mais a fundo a questão, encontrei pouquíssima literatura nacional sobre o tema. Temos muita coisa sobre a questão da comunicação interna, dos fluxos, mas não havia na literatura nacional um livro especificamente dedicado a tratar de boato, porque, normalmente a gente encara o boato como um problema da comunicação operacional, isolando ele da questão da cultura e do clima organizacional. Costumamos dizer: “O colaborador precisa de mais informação porque ele está espalhando o boato”. Quando vamos olhar as tratativas do tema boato fora do Brasil, vemos que lá fora ele é tratado como um tema tanto de processo quanto da administração, mas, especialmente, ele é tratado como algo que tem relação com a gestão. Não é a comunicação sozinha que vai produzir uma campanha ou que vai mandar um comunicado que vai resolver a questão dos boatos, ela é muito mais profunda.

SempreMais – Na pesquisa para a redação do livro, quais foram os pontos mais comuns ligados ao tema que você encontrou?

Na pesquisa para o desenvolvimento do livro, eu trouxe os autores clássicos da comunicação organizacional e da comunicação interna, o professor Wilson da Costa Bueno, Jorge Duarte, Margarida Kunsch, li também bastante coisa relacionada a fluxos de comunicação da professora Marlene Marchiori e comecei a ler alguns livros de fora do Brasil, do Jean-Noël Kapferer , do Cass Sunstein, Daniel Kahneman, que são autores mais da psicologia social. E o que encontrei é que normalmente, aqui no Brasil, a existência de um boato organizacional é tratada unicamente como uma falha de comunicação, como um problema de comunicação ou como uma falha de recepção: “Ah, fulano acreditou no boato porque é burro, porque é ignorante, porque não lê os comunicados”, quando, na verdade, o boato está associado a uma série de questões organizacionais, problemas de gestão, problemas de clima, questões da cultura, falta de liderança, questões também ligadas à estrutura da empresa, falta de transparência, entre outros. O principal problema que eu vi, e aí eu encontrei um nicho para focar nesse livro, é o fato de o boato não ser estudado na sua totalidade. Além de ser um tema marginalizado pela literatura, ele sempre é visto como culpa da comunicação, quando na verdade é uma questão bem mais complexa que envolve governança, cultura, liderança, gestão de pessoas e diversos outros fatores como já citados.

SempreMais – A existência de uma rádio – peão tem a ver com a maturidade dos colaboradores ou da empresa? Algo tipo quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?

A existência dos boatos organizacionais não tem a ver somente com o grau de maturidade do colaborador. É que nem a questão das fake news, desinformação não tem a ver se a pessoa tem pós-graduação ou graduação. Os boatos estão em todos os níveis organizacionais, da alta gestão, até o nível operacional. E aí a gente tem que ter muito cuidado quando usamos o termo rádio -peão, por quê?
Porque a gente dá uma falsa impressão de que somente a galera da ponta faz boato. Também não gosto do termo chão de fábrica. Historicamente, na época da ditadura, o governo militar usou muitas vezes o termo rádio -peão para desqualificar as iniciativas dos trabalhadores de base, quem me explicou isso foi o professor Wilson da Costa Bueno, inclusive eu cito a entrevista que eu fiz com ele no meu livro. Então, a gente evita falar rádio -peão e a gente evita falar chão de fábrica, porque parece que somente esses setores espalham boato, mas temos diretoria espalhando boato, alta liderança espalhando boato, gerente, coordenador, supervisor, ou seja, não tem a ver com o grau de maturidade do colaborador, não tem a ver com o nível hierárquico, não tem a ver com a posição dessa pessoa no organograma, tem a ver com a cultura.

SempreMais – Pode citar dois erros e dois acertos relacionados ao assunto?

Ter um programa de gestão de pessoas como parceiro da comunicação é um grande sucesso para a gente mitigar a existência dos boatos. Outro acerto é você ter um setor de comunicação que trabalha em parceria com as outras áreas. Isso também pode ajudar a reduzir os boatos, porque você está sendo um ouvinte das demandas das outras áreas e fazendo um planejamento de comunicação colaborativo.
Agora, quando falamos de erro, reforço que é tratar o boato apenas como uma questão de falta de comunicação, má comunicação ou um problema da recepção. É muito mais fácil você colocar a culpa na comunicação ou colocar a culpa na recepção, ignorando a qualidade da mensagem, ignorando o contexto organizacional, ignorando se tem um problema de cultura, de falta de transparência, se a liderança é ausente.
O boato tem que ser visto na interface da cultura, dos processos, da governança e do clima organizacional. Jamais o boato vai ser apenas uma questão resolvida por uma campanha, por um comunicado emitido pela área de comunicação. A gente tem que unir pessoas, processos e estratégias, esse é o caminho para sanarmos o: “Ouvi dizer”.

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