Danielle Milarski – Time SempreMais
Nesta semana o Brasil elegeu mais negros para ocupar as câmaras municipais do que em qualquer outro período. Ao informar que Curitiba, por exemplo, elegeu a primeira mulher negra da história da cidade, veículos de imprensa foram acusados, por leitores, de estarem ressaltando demais a cor da pele e que isso seria fomentar mais o racismo. Será que a imprensa está fazendo tudo o que pode para cumprir o seu papel antirracista?
Recentemente a cantora e atriz Negra Li postou um desabafo em suas redes sociais. Disse estar cansada de ser convidada para falar sobre o racismo. “Tudo bem, eu posso falar sobre a minha experiência como mulher negra, como pessoa que veio da periferia, que cantou rap. Mas não é só isso que eu tenho para falar”, disse. A artista, que é mãe de duas crianças, brincou que faz ginástica, gosta de beber vinho, está estudando sobre alimentação saudável e que adoraria falar sobre saúde e maternidade. “O negro tem que ocupar todos os espaços e falar sobre outros temas. Precisam parar de colocar a gente para falar de racismo, esporte e música. Queremos falar de economia, arquitetura, decoração, podemos falar sobre tudo. Isso, sim, é incluir, é nos dar o devido espaço”, reforçou.
Herivelto Oliveira, jornalista e vereador reeleito de Curitiba, lembra que recebeu, em 2011, uma pesquisa do IBGE que dizia que 53% da população brasileira era formada por negros e pardos. Aquilo lhe chamou tanto a atenção que ele teve a ideia de mostrar negros médicos, advogados, bailarinos, exercendo múltiplas atividades. “Não temos somente negros jogadores de futebol e pagodeiros”, enfatiza. O projeto saiu do papel em 2017, quando ele lançou, no Youtube, o canal Brasil de Cor. Deste então, mais de 60 profissionais negros já foram entrevistados.
Sobre as críticas à imprensa na divulgação do resultado das eleições, Herivelto não concorda. Ele não considera que destacar a cor da pele no título das matérias reforce o racismo mas acha a ênfase muito exagerada, em alguns casos. “Torço para chegar o dia em que a gente não precise mais ficar chamando a atenção para quando um negro ocupe um lugar de destaque”, revela. Herivelto vai além. “Hoje nós já temos negros em várias posições importantes que antes eram quase exclusivas de brancos, e eles simplesmente não são mostrados”. “Talvez exista uma explicação para os produtores de reportagem não procurarem negros para falar. Eles não devem ter um caderninho de fontes negras e isso seria importante num país com uma diversidade tão grande quanto o nosso”. “Os negros não aparecem na mídia porque a mídia não os procura. E por que não os procura? Para esta pergunta eu ainda não tenho resposta”.
Cida Bento, psicóloga, pesquisadora e doutora pela Universidade de São Paulo (USP) é uma das fundadoras do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (Ceert). Eleita em 2015 pela revista The Economist uma das cinquenta profissionais mais influentes do mundo no campo da diversidade, Cida usa o termo pacto narcísico da branquitude para definir como as pessoas brancas anuem entre si para a manutenção de privilégios. Este pacto, segundo ela, colabora com a exclusão de outros grupos nas indicações de trabalho.
Neste Dia da Consciência Negra, data em que somos convidados a refletir sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, como comunicadores temos a obrigação de rever nosso processo de trabalho e avaliarmos se estamos simplesmente não sendo racistas ou se estamos fazendo de tudo para exercer o nosso necessário ativismo antiracista.